Palavra de Vida – março de 2012
“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).
Jesus falava do Reino de Deus às multidões que acorriam.
Fazia isso com palavras simples, com parábolas tiradas do dia a dia. E, no
entanto, o seu falar exercia um fascínio especial. O povo se encantava com o
seu ensinamento, porque ele ensinava como quem tem autoridade, não como os
escribas. Inclusive os guardas enviados para prendê-lo, ao serem questionados
pelos sumos sacerdotes e pelos fariseus por não terem cumprido as ordens,
responderam: “Ninguém jamais falou como este homem” (Jo 7,46).
O Evangelho de João nos apresenta também luminosos diálogos
individuais, com pessoas como Nicodemos ou a samaritana. Com os seus apóstolos,
Jesus vai ainda mais em profundidade: fala abertamente do Pai e das coisas do
Céu, não mais recorrendo a figuras; eles sentem-se conquistados, e não voltam
atrás nem mesmo quando não compreendem completamente as suas palavras, ou
quando elas parecem ser exigentes demais.
“Esta palavra é dura” (Jo
6,60), responderam-lhe alguns discípulos quando o ouviram dizer que lhes daria
o seu corpo para comer e o seu sangue para beber.
Jesus, vendo que os discípulos se retiravam e não iam mais
com ele, dirigiu-se aos doze Apóstolos: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67)
Pedro, que já se sentia vinculado a Jesus para sempre,
fascinado pelas palavras que tinha ouvido pronunciar por Ele desde o dia em que
o encontrara, respondeu em nome de todos:
“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”.
Pedro tinha entendido que as palavras do seu Mestre eram
diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras que vão da terra para a
terra pertencem à terra e têm o destino da terra. As palavras de Jesus são
espírito e vida porque vêm do Céu. Elas são uma luz que desce do Alto e tem a
potência do Alto. As suas palavras possuem uma densidade e uma profundidade que
as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, de políticos, ou de
poetas. São “palavras de vida eterna” (Jo
6,68) porque contêm, expressam e transmitem a plenitude daquela vida que não
tem fim, porque é a própria vida de Deus.
Jesus ressuscitou e vive. E as suas palavras, embora
pronunciadas no passado, não são uma simples recordação, mas são palavras que
Ele dirige hoje a todos nós e a cada pessoa de todos os tempos e de todas as
culturas. São palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a sua maior arte, se
assim pudermos dizer. O Verbo, falando com palavras humanas: que conteúdo, que
intensidade, que inflexão, que voz!
“Um dia – conta-nos, por exemplo, Basílio Magno (330-379,
bispo de Cesareia, um dos grandes Padres da Igreja) – como que despertando de
um longo sono, olhei a luz maravilhosa da verdade do Evangelho e descobri a
vaidade da sabedoria dos príncipes deste mundo.” (Ep. CCXXIII, 2)
Teresinha do Menino Jesus escreve, numa carta de 9 de maio
de 1897: “Às vezes, quando leio certos tratados espirituais... o meu pobre e
pequeno espírito não demora em se cansar. Fecho o livro dos sábios, que
despedaça a minha cabeça e resseca o meu coração, e tomo em mãos a Sagrada
Escritura. Então, tudo se torna luminoso para mim; uma só palavra descortina
horizontes infinitos à minha alma e a perfeição me parece fácil” (Lettera 202; Scritti, Postulação Geral
dos Carmelitas Descalços, Roma 1967, p. 734).
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o
infinito; iluminam interiormente não só a mente, mas todo o ser, porque são
luz, amor e vida. Elas dão a paz – aquela que Jesus define sua: “a minha paz” – inclusive nos momentos de inquietação e de
angústia. Dão alegria plena, mesmo em meio à dor que por vezes atormenta a
alma. Dão força, sobretudo quando sobrevém a perplexidade e quando nos
desencorajamos. Libertam, porque abrem o caminho da Verdade.
“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”.
A frase deste mês lembra-nos que o único Mestre que queremos
seguir é Jesus, mesmo quando as suas palavras podem parecer duras ou exigentes
demais: ser honesto no trabalho; perdoar; preferir colocar-se a serviço do
outro em vez de pensar de modo egoísta em si mesmo; permanecer fiel na vida
familiar; assistir um doente terminal sem ceder à ideia da eutanásia...
São muitos os mestres que nos induzem a adotar soluções
fáceis, a fazer concessões. Queremos escutar o único Mestre e segui-lo, a Ele,
o único que diz a verdade, que tem “palavras de vida eterna”. Assim também nós
podemos repetir essas palavras de Pedro.
Neste período de Quaresma, em que nos preparamos para a
grande festa da Ressurreição, devemos colocar-nos efetivamente na escola do
único Mestre e tornar-nos seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor
apaixonado pela Palavra de Deus. Vamos acolhê-la com atenção quando for
proclamada nas igrejas; vamos ler a Palavra, estudá-la, meditá-la...
Mas nós somos chamados, sobretudo, a vivê-la, de acordo com
o ensinamento da própria Escritura: “Todavia, sede praticantes da Palavra, e
não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22). É por isso que nós, a cada mês, consideramos uma Palavra
em especial, deixando que ela nos penetre, nos modele, “seja ela a viver em nós”. Vivendo uma Palavra de Jesus, vivemos
todo o Evangelho, porque em cada uma de suas Palavras Ele se doa inteiramente,
é Ele mesmo que vem viver em nós. É como se uma gota de sabedoria divina Dele,
do Ressuscitado, lentamente fosse escavando-nos por dentro e substituindo o
nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
Chiara Lubich
Esta Palavra de Vida foi publicada originalmente em março de 2003.
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